Infecção por Helicobacter pylori
Coluna foi publicada nesta terça-feira (16)
Em 1982, durante um congresso de gastroenterologia, eu tomei conhecimento de que existiam micróbios no estômago. Como a evolução faz da medicina uma arte com verdades temporárias, desdenhamos daquilo que levaria Barry Marshall e Robin Warren a ganharem, em 2005, o Prêmio Nobel em Medicina.
Apesar do merecimento, convém lembrar que foi o investigador italiano Giulio Bizzozero quem descobriu, em 1893, que existiam bactérias espiraladas colonizando o ambiente ácido do estômago de cães.
Atualmente, sabe-se que existem 200 espécies de patógenos colonizando o estômago humano, apesar do Helicobacter pylori ser dominante.
Além da função digestiva, a secreção gástrica também serve de barreira contra microrganismos ingeridos pela boca. Como poderia, então, o estômago e o duodeno serem colonizados por esses germes?
Descobriu-se que o H. Pylori sobrevive dentro desses órgãos em função da sua capacidade de produzir substâncias que neutralizam os ácidos ao seu redor e que lhe permitem aderir ao epitélio da mucosa gástrica e duodenal.
A principal característica bioquímica do Helicobacter pylori é a sua capacidade de produzir a enzima urease, que hidrolisa a ureia em bicarbonato e amônia, neutralizando o ácido clorídrico em torno dele, facilitando o escape da pronunciada acidez gástrica.
Como o H. pylori somente sobrevive por minutos na luz do estômago, precisa migrar rapidamente para a superfície do epitélio gástrico, o que ele faz atravessando a espessa camada de muco.
Favorecida por sua forma em espiral e seu movimento flagelar, a bactéria penetra e atravessa o muco para se estabelecer e replicar na superfície epitelial. O processo de travessia é facilitado pela própria urease, que tem a propriedade de alterar a viscosidade da mucina.
A forma de transmissão do Helicobacter pylori ainda é bastante controversa. Acredita-se que o contato entre hospedeiros e a ingestão de água, ou alimentos contaminado, sejam as principais vias. Além disso, verifica-se que o endoscópio e os instrumentos usados em biópsias podem constituir um foco de infecção, caso não forem adequadamente desinfetados.
O H. pylori é responsável por uma série de manifestações clínicas, refletindo sua ação no estômago e duodeno.
Gastrite aguda e crônica, úlcera péptica, câncer gástrico, entre outros, são processos decorrentes da inflamação produzida pelo Helicobacter pylori.
Por outro lado, existem inúmeras dúvidas sobre algumas ações benéficas desse microrganismo. O efeito protetor da colonização do H. pylori contra certas doenças, precisa ser avaliado.
A prevalência aumentada das enfermidades alérgicas deveria ser explicada pelo decréscimo da incidência dessa bactéria no estômago.
Para o desenvolvimento do carcinoma gástrico, além do papel do Helicobacter pylori, seria importante definir a participação de coinfecções que contribuiriam para o início ou a progressão da neoplasia.
O efeito colateral de um mal pode caracterizar um bem.